Entrevista com o Pe. Fabrício – Assessor da Pastoral dos Surdos da Diocese de Brasília
Pe. Lucas Maurício, SJ via Centro MAGIS Burnier
Entre os dias 17 e 19 de outubro, a Pastoral dos Surdos do Centro Oeste – Brasília/Goiás realizou um retiro espiritual reunindo agentes de pastoral e a comunidade dos surdos. O retiro abordou diferentes temáticas bíblicas, ajudando os participantes aprofundarem a vivência da fé a partir de Jesus Cristo. A iniciativa expressa o desejo de fortalecer a missão de construir uma Igreja cada vez mais acessível, participativa e inclusiva.
Participando como correspondente do Centro MAGIS Burnier e aluno convidado do Instituto Nossa Senhora do Brasil (INOSEB), o Pe. Lucas Maurício, SJ, esteve presente para acompanhar de perto a experiência e aprofundar o diálogo entre o Centro MAGIS e a comunidade dos surdos.

Durante o retiro, o Pe. Lucas conversou sobre os desafios e esperanças da missão pastoral com assessores e coordenadores da Pastoral dos Surdos: Pe. Fabrício (Brasília-DF), Pe. Kleyton (Anápolis-GO) e Simone Moura, até então, Coordenadora Regional da Pastoral do Surdo juntamente com Manoel Palhares.
O diálogo abordou temas como a inclusão comunicacional, o protagonismo dos jovens surdos, e os caminhos de colaboração entre a Pastoral dos Surdos, por meio do Centro MAGIS Burnier.
A seguir, compartilhamos os principais trechos da entrevista, que ilumina o chamado da Igreja para incluir e evangelizar com todas as vozes, inclusive aquelas que comunicam o Evangelho por meio das mãos, do olhar e do silêncio habitado por Deus.
Abertura
Pe. Lucas:

Padre Fabrício, é uma alegria poder conversar com o senhor neste retiro da Pastoral dos Surdos, que reúne tantas pessoas comprometidas com uma Igreja mais inclusiva e fraterna.
Eu participo representando o Centro MAGIS Burnier, e venho com o desejo de aprender mais sobre a realidade das pessoas surdas e sobre o que o Espírito Santo tem suscitado nessa missão tão bonita de evangelizar através da escuta e da presença.
Muito obrigado por nos acolher.
Pergunta 1 – A realidade pastoral
Pe. Lucas:
Padre Fabrício, a Pastoral dos Surdos tem uma trajetória muito rica na vida da Igreja no Brasil. A partir da sua experiência, quais são hoje os maiores desafios e também as maiores esperanças que o senhor enxerga na evangelização do público surdo, especialmente dos jovens?
(Para aprofundar) Que barreiras ainda persistem, comunicacionais, pastorais ou culturais, e o que a Igreja pode aprender ao escutar mais de perto a comunidade surda?
Pe. Fabrício:
Temos grandes desafios. Posso destacar, entre eles, a falta de intérpretes da Língua de Sinais, ainda somos poucos diante da grande necessidade dessa pastoral. Outro grande desafio é a imensidão do nosso país: a Pastoral do Surdo ainda precisa chegar a muitas cidades onde as pessoas surdas continuam encontrando dificuldades para participar plenamente da vida comunitária.

Mas também há sinais de esperança. Vemos o desenvolvimento, o crescimento e a expansão da Pastoral do Surdo a cada ano, graças ao empenho missionário tanto dos próprios surdos quanto dos intérpretes que se dedicam a expandir essa missão.
Persistem, contudo, grandes barreiras comunicacionais, já que a Língua de Sinais ainda não é difundida como deveria. Mesmo nos grandes centros urbanos, ainda há muitos surdos que não foram alfabetizados, nem em Língua de Sinais, nem em Língua Portuguesa, o que dificulta bastante a comunicação.
E é importante lembrar o quanto nós podemos aprender com eles. Cada pessoa humana traz em si uma grande riqueza, e sempre que acolhemos mais alguém em nossa comunidade, nós também nos enriquecemos. Os surdos despertam em nossas comunidades sentimentos de empatia e de acolhimento, ajudando-nos a crescer na fraternidade.
Eles também colaboram de modo especial nas celebrações litúrgicas. Onde há Pastoral do Surdo, a liturgia precisa ser preparada com devida atenção aos detalhes, para que o intérprete possa realizar bem sua missão. Isso melhora a forma como as leituras são feitas e até o ritmo com que o padre conduz as orações, favorecendo uma participação mais viva e consciente de toda a assembleia.
Pergunta 2 – A missão e o testemunho
Pe. Lucas:
Como o senhor percebe a contribuição específica dos surdos para a vida da Igreja e para a missão?
(Para complementar) De que forma o modo de crer, rezar e se comunicar da comunidade surda pode inspirar toda a Igreja a viver com mais autenticidade a comunhão e a inclusão?
Pe. Fabrício: A Pastoral dos Surdos ajuda muito na missão da Igreja, pois nos faz colocar em prática o que Jesus pediu: anunciar o Evangelho a toda criatura. A Igreja é, por natureza, missionária, e por isso deve abraçar todas as línguas e todas as culturas.
Ao acolher a comunidade surda em nossas comunidades, nós sentimos que estamos sendo fiéis à nossa missão evangelizadora. É também uma forma de viver, hoje, a experiência de Pentecostes, aquele momento em que todos puderam compreender a Palavra de Deus em sua própria língua.
Pergunta 3 – Pontes com a Rede MAGIS e as juventudes
Pe. Lucas:
O Centro MAGIS Burnier atua com jovens do Centro-Oeste e do Tocantins, promovendo experiências que favorecem um encontro pessoal com Jesus Cristo, ajudam na elaboração de um projeto de vida e na formação de lideranças. Nesse contexto, quais pontes podem ser construídas entre o Centro Magis e a Pastoral dos Surdos, no intuito de contribuir para a evangelização e inclusão da pessoa surda?
(Para aprofundar) E que caminhos de cooperação o senhor imagina possíveis entre nossas redes, pastorais, educativas e de comunicação, para que a mensagem de Jesus chegue a todos com igual beleza e profundidade e por meio da inclusão possamos promover a participação efetiva nas diversas esferas da sociedade?

Pe. Fabrício: Acredito que os Centros MAGIS Burnier podem, com certeza, contribuir com essa missão. Temos muitos surdos e intérpretes nessa pastoral que estão ansiosos por crescer como líderes e como cristãos. Isso se deve, em grande parte, à falta de momentos formativos e espirituais voltados especificamente para essa comunidade. Ainda há muito a fazer, e a colaboração com o Centro MAGIS pode abrir novas oportunidades para o fortalecimento da fé e para a formação integral desses jovens.
Sempre há também a possibilidade de incluir os surdos e intérpretes em encontros e formações destinadas, a princípio, ao público ouvinte. No entanto, momentos específicos para esse público-alvo também se fazem necessários, para respeitar melhor suas necessidades, o ritmo das formações e a forma de participação e interação com o tema. Muitas vezes, há a necessidade de dinâmicas e metodologias próprias, que favoreçam uma comunicação mais acessível e uma vivência mais plena da experiência proposta.
Encerramento
Pe. Lucas:
Padre Fabrício, muito obrigado por esse diálogo tão inspirador.
O que o senhor partilhou nos ajuda a perceber que a evangelização com as pessoas surdas não é apenas uma questão de inclusão, mas de conversão pastoral — de aprender novas formas de amar e comunicar o Evangelho.
Desejo que este retiro seja fecundo, e que possamos continuar construindo pontes entre nossas missões, para que a alegria do Evangelho seja comunicada com todas as vozes — inclusive as que falam com as mãos e com o coração.
Escutar a comunidade surda é mais do que aprender uma nova língua; é permitir que o Evangelho fale por gestos, olhares e silêncios. No rosto dos jovens surdos, encontramos o Cristo que continua a dizer “Efatá” (abre-te!) à Igreja e ao mundo, convidando-nos a abrir os ouvidos, o coração e as estruturas pastorais.
A experiência deste retiro foi um lembrete de que comunicar é servir, e servir é amar com criatividade. O desafio não é apenas traduzir palavras, mas traduzir o amor de Deus em formas acessíveis de presença e comunhão.
A missão da Rede MAGIS e do Centro Burnier se renova quando deixamos que o encontro com o diferente nos converta: a missão não é só falar de Deus, mas deixar que Deus fale também através das mãos que abençoam e dos sinais que revelam sua ternura.